Discreto, ponho-me entre ti e o tempo.
Uso-te com amor e parcimônia, para que possa, por longo
período, desfrutar-lhe.
Ansioso, olho-te com paixão e desejo, mas em calmaria de
gestos.
Respirando o ar da noite, capto seu cheiro à milhas de
distância.
Quando toco em meu próprio antebraço, sinto o seu calor a incendiar-me.
Ao sorrir, lembro-me de seus olhos perdidos no vazio dos
acontecimentos.
Enquanto procuro os pensamentos que deixei na gaveta da
cômoda, vejo-te cruzar o corredor, linda e blasfema, envolta apenas em meus sonhos inconfessáveis.
Insano, penso-te noviça, depois mártir, depois
feiticeira.
Mas trago-te novamente à realidade de meus medos e de minhas
raivas e descubro-te então real, palpável, doce e quente, feito fruta madura que
sorvo sem o arrependimento das horas de ócio, saboreando as loucuras que me escorrem
pelo canto da boca, lascivo que sou, inegável, imutável.