Bem vindo às Terras de Salém. Onde a Magia nunca tem fim.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O Velho Chinês



Lyz não sentia os aromas. Era estranho apenas se recordar deles: o cheiro delicioso da comida de sua mãe, sempre cheia dos temperos que ela conhecia e amava. O vento fresco da roça, que trazia o cheiro do capim. A chuva na terra molhada. O café passado na hora. Uma rosa, uma dama da noite, as alfazemas. Tudo isso agora eram apenas recordações. Raras eram as vezes em que podia desfrutar de um perfume um pouco mais suave. Quase tudo passava em branco.

A perda do olfato, no entanto, desenvolveu em Lyz curiosas habilidades. Tornara-se mais ponderada ao longo do tempo, cuidadosa consigo e com os outros, mas ela sentia que sempre ficava uma lacuna, como uma coleção de livros na estante, à qual falta um dos volumes. Era algo que não sabia explicar. Um determinado sentido, que ainda não encontrara.

Num domingo, pela manhã, sua mãe pediu que fosse até à feira comprar umas coisas para o almoço. Passeando distraída pelas bancas, Lyz teve seu olhar atraído imediatamente para um canto do enorme galpão, onde notou um pequeno senhor, sentado em uma banqueta, atrás de uma banca de temperos e condimentos. Lyz, apaixonada que era por essas coisinhas mágicas, foi automaticamente impelida na direção da banquinha do homem. Ele era pequeno e tinha um longo rabo de cavalo, parecia um chinês daqueles das histórias de kung fu. Lyz notou que se parecia muito mesmo com um oriental. Ela aproximou-se, olhou a banca colorida, sabendo que era perfumada, mas não ousou tocar ou escolher nenhum tempero. O velho a observava em silêncio. Com um gesto único, tomou um medidor, abriu um pequeno pacote e tirou de lá umas plantinhas que Lyz nunca tinha visto. Ele colocou as ervas num saquinho de papel e o entregou à menina, que balançando negativamente a cabeça, deu um passo para trás. Então ele disse: é um presente. Coloque no seu travesseiro e terá melhores noites de sono. Pegue. Lyz, receosa, estendeu a mão e pegou o saco de papel. Agradeceu e se foi.

Chegando em casa, entregou as compras à mãe e correu para o quarto. Com uma tesoura, fez um rasgo no travesseiro e colocou lá dentro do miolo de espumas as ervas que ganhou de presente do velho chinês. Nas noites seguintes, Lyz percebeu que realmente havia dormido muito melhor. Acordava mais disposta, mais animada e completamente descansada. A preguiça habitual para as tarefas e os estudos havia desaparecido por completo, desde que as ervas mágicas do sono tinham sido colocadas em seu travesseiro. Lyz pensou que o velho chinês devia ser mesmo um homem muito sábio, pois aquele aroma misterioso que as ervas exalavam estava mesmo fazendo efeito em seu corpo. Então, Lyz deu um salto na cadeira. O aroma das ervas! Lyz o sentia! Mal pode acreditar no que acabara de constatar. Correu ao quintal e foi até à pequena horta de sua mãe. O alecrim, a hortelã, o manjericão, Lyz os sentia a todos! Gritou de felicidade, correu, cheirou todas as plantas que viu pela frente... Estava tão excitada com a possibilidade de sentir de novo os aromas de tudo o que amava que espetou o dedo num espinho da roseira. Nem se abalou. Cheirou seu sangue, feliz da vida e agradecida pelo presente do velho chinês. Precisava ir lá, precisava perguntar a ele o que era aquilo, que plantas eram aquelas, tão milagrosas! Haveria outras? Que incrível pensar em plantas mágicas que restabelecessem o olfato, o paladar, a visão talvez! Lyz não cabia em si de tanta felicidade. Correu para a feira e foi direto à banca de ervas do velho, mas não mais a encontrou. Andou pelo galpão, procurando, olhando de um lado a outro, pensando, talvez, que ele pudesse ter trocado de lugar ou até mesmo partido para outra cidade. Seu coração se apertara, pois queria muito agradecer ao pequeno chinês. Então, de relance, avistou o administrador da feira. Lyz correu em sua direção, perguntando pela banca de condimentos e descrevendo o pequeno velho chinês. Foi com espanto que ouviu o relato do homem. Emudeceu, e sem dizer palavra, voltou para casa. Antes de abrir o portão, viu que a caixa de correios estava aberta. Lyz olhou em seu interior e viu um envelope. Pegou-o, e leu nele o seu nome. Não havia remetente. Sentou-se na calçada, abriu o envelope e leu o que dizia na carta:

Jamais se assuste com as mudanças que a vida lhe oferecer. Tanto os fatos positivos quanto os negativos lhe trarão importantes aprendizados. A Natureza é uma grande professora e pode muito nos ensinar. Nos momentos felizes, você se sentirá tão expansiva que se irá se assemelhar às pimentas, cheias de energia, produtoras de calor e movimento. Nos momentos de tristeza, você irá se recolher, se tornando como a hortelã, adstringente e calmante. Aprenda com as ervas. E tire sempre boas lições de tudo. Não sentir os aromas pode ser ruim quando se caminha em campos floridos. Mas é uma grande bênção quando se precisa atravessar um pântano lodoso.

Do seu amigo
O velho chinês

E o que foi dito a Lyz, pelo chefe do mercado?

Filha, o homem que você descreveu se parece muito com o fundador dessa vila, um mercador chinês de ervas e temperos que aqui se estabeleceu há dois séculos e fundou esse vilarejo. Ele montou uma banca para vender seus produtos aos que por aqui passavam e logo outros comerciantes foram se juntando, vendendo tecidos, porcelanas, peles, carnes e toda sorte de produtos. Não há nessa feira nenhum vendedor com essa descrição ou vendendo tais produtos, a não ser o que acabei de lhe relatar.


E saiu resmungando: esses jovens de hoje em dia....

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Sobre Homens e Nutrição

Tem dias em que acordo com a cabeça doendo. É porque preciso escrever, mas não consigo organizar os pensamentos, as ideias ficam pipocando e eu sou muito mais da poesia do que da prosa. Mando à merda poeticamente e a pessoa talvez até me agradeça por isso. E então acontecem dias como este, em que minha cabeça lateja, minha testa dói e eu sinto vontade de vender tudo e ir pra outro país. Só de raiva. No susto. 

Eu acordei mal humorada por causa de um sonho. É, de um sonho! Sonhei que um cara que eu gostei falava pra outro assim, bem na minha frente: ah, um homem de verdade sabe qual mulher deve ser levada a sério. Só isso. E acordei com uma dor no pescoço danada, devo ter ficado toda retesada, louca pra mandar aquele imbecil pro inferno. Me levantei, senti um estalo na nuca, comecei o dia sem agitação (não levanto na pressão, detesto, mas faço se for preciso) e me coloquei a refletir sobre a raiva do sonho. Ou melhor, da frase do cara no sonho. 

Pensei primeiro nos suicidas. Creio que toda gente sente medo, raiva, solidão, abandono, desesperança em algum momento da vida. A forma de reagir é que faz a diferença. Eu sinto constantemente um monte desses sentimentos, isolados ou em combos. Tenho relações dificílimas com pessoas muito próximas. Algumas me olham como se eu fosse um ser de outro mundo e quando eu abro a boca e digo o que penso, nossa, aí então é que as sobrancelhas se arqueiam. Eu incomodo com meu jeito. Mas como é que fica a dor de quem incomoda e é humilhado por isso, abandonado, ignorado, esquecido, se tornando o esquisito, o pobre coitado, o"invisível social"?

Pensei na importância que realmente temos para outro ser humano. Precisaria eu ser uma mulher criada para o matrimônio para ser valorizada? Precisaria eu ser de estirpe, ter pedigree (grrrrr), ser virgem, ser santa na rua, lady na mesa e nem pensar em ser aquela palavrinha mágica na cama, para ser enfim valorizada? Nesse momento, meu estômago roncou de fome e fiz um misto quente, que tomei com o café preto açucarado que a minha tia faz.

O pensamento não me deu sossego mesmo depois de saciada a fome do corpo. Minha mente é que estava faminta e eu fiquei ali sem saber o que oferecer a ela. Fast food cerebral, nem pensar, eu não poderia. O jeito era continuar pensando, refletindo, criando teses, teorias e conjecturas infindáveis até à hora do almoço. 

É, eu não sou dessas. Concordei com ele. Um homem que sabe qual mulher deve ser levada a sério, foi criada pro casamento e possivelmente será traída até que a morte os separe, um homem que poderá até amar outra ou outras, com a qual ou quais viverá tudo de melhor e mais significativo em sua vida, mas que jamais terá a coragem de assumir o que sente e o que quer porque tem um papel social a cumprir e uma satisfação para prestar, esse homem, que acredita que o mundo é assim e não vai mudar, esse homem sim, é fast food para uma mulher como eu e tantas outras. Uma porcaria de um homem que não nutre, que não satisfaz, que pode até ser gostoso, ser uma tentação, mas que não vale o sacrifício de ser comido porque com certeza será expelido posteriormente com extrema dificuldade, nos obrigando a usar um laxante e não vale nem o chá de sene que se compra na feira. Um homem tóxico, cheio de acrilamida, de glutamato monossódico, de gordura trans. Um homem lixo, sem dúvida. Mas que da mesma forma que a comida lixo, ainda ocupa espaço no cardápio de muitas mulheres por aí. 

E a dieta, como fica? Fica com o bom senso, a inteligência, as boas escolhas e, claro, a certeira e para sempre eficaz reeducação alimentar.



sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Noturno


Suave, deslizo entre sonhos e pensamentos.
Soturno, toco a pele que arde em desejo e sem brandura.
Ávido na seda e no calor, por toda a formosura.
Sinto a libido tua em quente beijo.
A claridade pálida da lua reflete o amor intumescido
A flor se abre nua e então me ponho inteiro
Dentro de um mundo novo, mortal.
Desconhecido.